Figura 1. Campo experimental de feijão-caupi biofortificado com selênio. Selviria, MS.
O feijão-caupi, também conhecido como feijão-de-corda, feijão-miúdo ou feijão-fradinho, é uma leguminosa conhecida por sua rusticidade. É uma cultura muito resistente às condições de estresse abiótico, como falta de água ou calor excessivo, portanto, é comumente cultivado em regiões áridas (Carvalho et al., 2012). Por ser uma leguminosa, é também muito rico em proteínas, podendo acumular em seus grãos até mais proteínas que o feijão comum (Teka et al., 2020). Essas características fazem do feijão-caupi uma importante fonte de proteína em áridas e mais carentes, como o sertão do nordeste brasileiro e alguns países africanos (Manzeke et al, 2017; Silva et a., 2029).
As práticas de biofortificação, que visam melhorar a qualidade dos alimentos por enriquecê-los com nutrientes e vitaminas (Reis et al., 2018), caem como uma luva para essa cultura. Afinal uma cultura de grande importância em regiões carentes, com diversidade de alimentos reduzida, é o alvo perfeito para ser enriquecida com nutrientes escassos na dieta de populações de maior necessidade.
Como ferro (Fe) e zinco (Zn) são os dois nutrientes que mais causam problemas de fome oculta no mundo (White & Broadley, 2009), era natural que as pesquisas com feijão-caupi se iniciassem visando esses nutrientes. E tendo em vista a extensa diversidade genética da cultura, também era esperado que os primeiros trabalhos observassem a capacidade de diferentes linhagens de feijão-caupi em acumular Fe e Zn. E foi o que aconteceu, em Gana (Belane & Dakora, 2011) e no Brasil (Moura et al., 2012), em que diferentes grupos de pesquisa avaliaram a concentração desses e outros nutrientes em genótipos de importância em suas respectivas regiões.
No entanto, esses primeiros estudos visavam observar a concentração natural dos elementos no feijão-caupi. Com o passar do tempo e o melhor conhecimento de quais genótipos são mais aptos para determinadas condições e nutrientes, estudos com aplicações de Fe (Márquez-Quiroz et al., 2015) e Zn (Manzeke et al., 2017) foram surgindo. Nesses estudos, não só a concentração de Fe e Zn eram avaliadas, como também a influencia da aplicação do nutriente na produtividade (Márquez-Quiroz et al., 2015), e a interação do nutriente com outros fertilizantes e tipos de solo (Manzeke et al., 2017). Além disso, outros elementos também começaram a ser avaliados em feijão-caupi, como é o caso do selênio (Se), o terceiro nutriente que mais causa problemas de desnutrição no mundo (White & Broadley, 2009) e elemento alvo de diversas pesquisas em feijão-caupi conduzidas pelo GEFA como ilustrado na Figura 1 (Lanza et al., 2021; Silva et al., 2018;2019;2020;2021).
Atualmente, as pesquisas com aplicação de Se em feijão-caupi realizadas pelo GEFA (Grupo de Estudos em Fisiologia Agrícola) já proporcionaram informações a respeito de quais as melhores doses e fontes de Se para fornecer o elemento de forma segura para a população (Silva et al., 2019). E devido aos riscos do excesso de Se para as plantas e para os humanos, também há trabalhos focando no limite máximo de Se que deve ser aplicado, para não comprometer o desenvolvimento pleno da planta de feijão-caupi (Silva et al, 2018), tampouco para que concentrações excedentes do elemento não fiquem retidas nos grãos (Lanza et al., 2021). Inclusive, a relevância das pesquisas com feijão-caupi biofortificado com Se produzidas pelo GEFA foi reconhecida pela Fundação Péter Murányi, que em 2020, premiou com a terceira colocação o trabalho “Biofortificação agronômica do feijão-caupi com selênio para mitigar a desnutrição e a fome oculta no Brasil.”
Também ocorreu continuidade das pesquisas em feijão-caupi biofortificado com Fe ou Zn. Em pesquisas recentes, além da concentração desses elementos nos grãos, há também a preocupação com a digestibilidade dos mesmos no trato intestinal (Coelho et al., 2021). Além disso, a interação entre aplicação de Zn e genótipos de feijão-caupi passou a ser observada de maneira mais ampla, não visualizando apenas a concentração do elemento nos grãos, mas também outros fatores que podem ser alterados, como concentração de açúcares, aminoácidos, proteínas de reserva e componentes antinutricionais (Silva et al., 2021).
Fatores indiretos dos elementos também se tornaram alvo das pesquisas de biofortificação, afinal apesar do objetivo principal ser a melhoria da qualidade nutricional, ao longo do tempo outros aspectos da aplicação de nutrientes começaram a ser notadas pelos pesquisadores. Atualmente, entende-se que o Se pode ajudar na mitigação do estresse abiótico quando aplicado em campo (Silva et al., 2020). Ao passo que a aplicação de Zn pode proporcionar aumento na concentração de fenóis e flavonoides, além de melhorar a capacidade antioxidante do feijão-caupi (López-Morales et al., 2021).
As pesquisas sobre biofortificação do feijão-caupi, principalmente com Fe, Zn e Se avançaram de forma considerável na última década. O foco no momento visa observar a biodisponibilidade desses elementos nos grãos colhidos, assim como a qualidade nutricional de modo geral dos grãos, considerando outros componentes que podem ser afetados pela aplicação dos nutrientes.
Possivelmente, as descobertas futuras estarão relacionadas com esses aspectos. Outra possibilidade é o aumento de estudos tentando estabelecer relações na aplicação de nutrientes com a fixação biológica de nitrogênio, devido a importância do feijão-caupi no fornecimento de N. O conhecimento extenso das interações entre os nutrientes e os diversos genótipos de feijão-caupi, abre espaço para pesquisas com foco em melhoramento genético, estudando a expressão gênica de transportadores responsáveis pela captação e assimilação dos elementos de interesse, e possivelmente, a futura manipulação desses genes com o intuito de confeccionar variedades mais eficientes no uso de nutrientes.
Agradecimentos:
A Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo número: 16/19773-8; 17/21950-8; 18/18936-6) pela concessão das bolsas de estudo do mestrado, Bepe e doutorado.
Referências
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