ARQUIVO

Papel fisiológico do níquel como atenuador do déficit hídrico em plantas

Figura 1: Plantas de feijão-caupi submetidas ao estresse abiótico da seca com CAD 40% em resposta a aplicação de doses de Ni via solo usando a fonte sulfato de Ni. Foto: Nandhara Mendes

O cenário para os próximos anos relacionado com a segurança alimentar é hostil. Uma vez que projeções indicam que as mudanças climáticas, como a seca, o aumento populacional e a indisponibilidade da abertura de novas áreas agricultáveis, dificultará a produção de alimentos. Segundo a projeção de Gupta et al. (2020), a população mundial em 2050 será de aproximadamente 10 bilhões de pessoas, a qual haverá a necessidade de 1 milhão de hectares adicionais de terras agricultáveis e a demanda por água na agricultura pode dobrar, enquanto a disponibilidade de água doce pode reduzir em até 50% por conta do estresse abiótico.

Essas projeções são assustadoras, no entanto, através da ciência é possível encontrar alternativas para minimizar esse cenário e mitigar os danos fisiológicos nas plantas causados pelo estresse abiótico. Mas quais são essas alternativas? Buscar técnicas agronômicas que visam a aumentar a produtividade agrícola e a qualidade nutricional dos alimentos é uma delas.

Como a seca prejudica o crescimento das plantas? As plantas submetidas ao déficit hídrico sofrem alterações em seus processos fisiológicos devido ao fechamento de estômatos a fim de manter o conteúdo de água na célula, isso afeta negativamente o influxo e a assimilação de dióxido de carbono (CO2). Por outro lado, esse processo modifica os níveis de transcrição, proteínas e metabólitos, indicando uma complexa reprogramação do metabolismo que certamente requer muita energia (Shulaev et al., 2008; Ahuja et al., 2010). De qualquer forma, o processo de adaptação à seca é muito oneroso e isto reflete na redução da produtividade das plantas sob estresse hídrico (Anyia & Herzog, 2004; Dadson et al., 2005; Bastos et al., 2011; Dutra et al., 2015). Além disso, a seca promove superprodução das espécies reativas de oxigênio (EROs) que degradam biomoléculas, como proteínas, lipídeos, DNA e RNA que pode culminar com a morte celular precoce das plantas (Kar, 2011).

Estudos mostram que a aplicação de níquel (Ni) em baixas concentrações aumenta a tolerância das plantas sob estresse biótico (fungos, bactérias, vírus, entre outros) e estresse abiótico (déficit hídrico, deficiência nutricional) e apresenta efeitos positivos para o crescimento e rendimento das plantas (Brown et al., 1987; Eskew et al., 1983, 1984), a qual ameniza a perda de produtividade e pode estimular o sistema antioxidante enzimático para a detoxificação de EROs pelo aumento da atividade das enzimas: catalase, peroxidase e superóxido dismutase (Barcelos et al., 2018).

A Figura 1 ilustra o efeito fisiológico de doses de Ni no crescimento e produtividade do feijão-caupi cultivado a 40% de disponibilidade de água no solo. Nota-se que as plantas submetidas a seca sem Ni (controle) perderam todas as folhas, apresentou menor crescimento e número de vagens por planta em relação as plantas fertilizadas com Ni. O Ni retardou a senescências das plantas, promoveu maior crescimento e produtividade de vagens em comparação ao tratamento controle.

Em plantas leguminosas (soja, feijão-caupi, ervilha, feijão comum, entre outras), o Ni atua no metabolismo de N, podendo aumentar a concentração de ureídeos, N-foliar, aminoácidos, proteínas e atividade da enzima urease. O Ni é constituinte do sítio ativo de duas metaloenzimas que participam do metabolismo do N: urease e hidrogenase.

Mas qual a importância da enzima urease? A urease é responsável por catalisar a hidrólise da ureia, produzindo amônia e gás carbônico (Polacco et al., 2013). Em leguminosas a simbiose com bactérias fixadoras de N2 formam nódulos radiculares, nos quais a hidrogenase catalisa a oxidação de hidrogênio molecular (H2) em prótons e elétrons (Brazzolotto et al., 2016). A atividade da enzima hidrogenase é decisiva para a eficiência da fixação biológica de nitrogênio (FBN) porque evita a competição do H2 com o N2 pelo mesmo sítio ativo da enzima nitrogenase e fornece parte da energia demandada pelo processo de FBN (Shafaat et al., 2013).

A aplicação de fertilizantes contendo Ni pode amenizar as perdas de produtividade da cultura pela seca e aumentar a eficiência da FBN dos sistemas agrícolas, a qual pode contribuir para poupar recursos naturais e melhorar a fertilidade do solo que são componentes da “Climate Smart Agriculture and Sustainable Intensification” conceitos que visam a produção de culturas sustentáveis e uma melhor resiliência das plantas ao estresse abiótico.

Referências

Ahuja, I., de Vos, R.C.H., Bones, A.M., Hall, R.D., 2010. Plant molecular stress responses face climate change. Trends in Plant Science. https://doi.org/10.1016/j.tplants.2010.08.002

Anyia, A.O., Herzog, H., 2004. Genotypic Variability in Drought Performance and Recovery in Cowpea under Controlled Environment. Journal of Agronomy and Crop Science. htts:// 10.1111/j.1439-037X.2004.00096.x

Barcelos, J.P.Q., Reis, H.P.G., Godoy, C. V., Gratão, P.L., Furlani Junior, E., Putti, F.F., Campos, M., Reis, A.R., 2018. Impact of foliar nickel application on urease activity, antioxidant metabolism and control of powdery mildew (Microsphaera diffusa) in soybean plants. Plant Pathology. https://doi.org/10.1111/ppa.12871

Bastos, E.A., Nascimento, S.P. do, Silva, E.M. da, Freire Filho, F.R., Gomide, R.L., 2011. Identification of cowpea genotypes for drought tolerance. Revista Ciência Agronômica. https://doi.org/10.1590/s1806-66902011000100013

Brazzolotto, D., Gennari, M., Queyriaux, N., Simmons, T.R., Pécaut, J., Demeshko, S., Orio, M., Artero, V., Duboc, C., 2016. Nickel centred H+ reduction catalysis in a model of [NiFe] Hydrogenase Europe PMC Funders Group. Nature Chemistry. https://doi.org/10.1038/nchem.2575

Brown, P., Welch, R., Cary, E., Checkai, R., 1987. Micronutrients. Journal of Plant Nutricion. https://doi.org/10.1080/01904168709363763

Dadson, R.B., Hashem, F.M., Javaid, I., Joshi, J., Allen, A.L., Devine, T.E., 2005. Effect of water stress on the yield of cowpea (Vigna unguiculata L. Walp.) genotypes in the delmarva region of the United States. Journal of Agronomy and Crop Science. https://doi.org/10.1111/j.1439-037X.2005.00155.x

Dutra, A.F., De Melo, A.S., Filgueiras, L.M.B., Da Silva, Á.R.F., De Oliveira, I.M., Brito, M.E.B., 2015. Parâmetros fisiológicos e componentes de produção de feijão-caupi cultivado sob deficiência hídrica. Revista Brasileira de Ciências Agrária. https://doi.org/10.5039/agraria.v10i2a3912

Eskew, D.L., Welch, R.M., Norvell, W.A., 1984. Nickel in higher plants: further evidence for an essential role. Plant Physiology. https:// 10.1104/pp.76.3.691

Eskew, D.L., Welch, R.M., Cary, E.E., 1983. Nickel: an essential micronutrient for legumes and possibly all higher plants. Science. https:// 10.1126/science.222.4624.621

Gupta, A., Rico-Medina, A., Caño-Delgado, A.I., 2020. The physiology of plant responses to drought. Science. https://dx.doi.org/10.1126/science.aaz7614

Kar, R.K., 2011. Plant responses to water stress: Role of reactive oxygen species. Plant Signaling and Behavior. https://doi.org/10.4161/psb.6.11.17729

Malavolta, E., Haag, H.P., Mello, F.A.F., Brasil, M.O.C., 1962. On the mineral nutrition of some tropical crops. International Potash Institute, Berna.

Polacco, J.C., Mazzafera, P., Tezotto, T., 2013. Opinion – Nickel and urease in plants: Still many knowledge gaps. Plant Science. https://doi.org/10.1016/j.plantsci.2012.10.010

Shafaat, H.S., Rüdiger, O., Ogata, H., Lubitz, W., 2013. [NiFe] hydrogenases: A common active site for hydrogen metabolism under diverse conditions. Biochimica et Biophysica Acta. https://doi.org/10.1016/j.bbabio.2013.01.015

Shulaev, V., Cortes, D., Miller, G., Mittler, R., 2008. Metabolomics for plant stress response. Physiology Plant. https://doi.org/10.1111/j.1399-3054.2007.01025.x

 

Physiotek Letters: Baixe o artigo completo!

Texto escrito por:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

2 + sete =