ARQUIVO

Influência do níquel na eficiência da fixação biológica de nitrogênio em leguminosas

Figura 1. O micronutriente níquel (Ni) é cofator das enzimas urease e NiFe-hidrogenase que desempenham função no processo de fixação biológica de N2.

Dentre os nutrientes, o nitrogênio (N) usualmente é o mais limitante para o crescimento das plantas, seja devido sua alta exigência pelos vegetais, por sua baixa disponibilidade no solo ou mesmo devido seu manejo inadequado. Assim sendo, sua gestão eficiente é essencial para garantir a sustentabilidade agrícola (Spiertz, 2010). Tal fato, inevitavelmente, envolve pelo menos algum uso da fixação biológica de nitrogênio (FBN), uma vez que, o N dessa fonte é usado diretamente pela planta e, por conseguinte, apresenta menor suscetibilidade a perdas por volatilização, desnitrificação e lixiviação se comparado às demais fontes de fertilizantes nitrogenados. Ademais, a menor aplicação de fertilizantes nitrogenados, consequência do fornecimento de N às plantas pela FBN, não só diminui o custo da produção agrícola, mas também tem contribuições ambientais diretas na redução da emissão de gases do efeito estufa e poluição dos mananciais, além é claro dos impactos benéficos na produção das culturas (Graham, Vance, 2000).

Mas afinal, o que é a FBN? Uma interação complexa e específica entre bactérias diazotróficas, com destaque para o gênero Bradyrhizobium, comumente conhecidos como rizóbios, e plantas hospedeiras resultam no desenvolvimento de nódulos radiculares (Figura 1). Nódulos são novos órgãos constituídos de células infectadas das plantas com bacteroides, que por sua vez, promovem o processo natural de FBN. Nos tecidos internos dos nódulos, os bacteroides assumem uma forma endo-simbiótica, onde a enzima nitrogenase é capaz de reduzir o gás nitrogênio (N2) a amônia (NH3). Após esse processo, ocorre rápida conversão da amônia a amidas e/ou ureídeos que são transportados para parte aérea e nutrem a planta hospedeira (Giller, 2001; Garg, 2007). Nos sistemas agrícolas, em torno de 80% do N2 fixado é proveniente da simbiose com plantas leguminosas – família Fabaceae (Graham, Vance, 2000; Fustec et al., 2010). Globalmente, as leguminosas são cultivadas em 250 milhões de hectares e fixam cerca de 90 Tg de N por ano (Graham, Vance, 2000; Herridge et al., 2008; Vitousek et al., 2013; FAO, 2021).

Nesse cenário, o micronutriente níquel (Ni) pode ser o ‘aliado ideal’ para potencializar a simbiose entre as bactérias fixadoras com plantas leguminosas, vamos entender por quê? Em plantas, o níquel compõe o sítio ativo da metaloenzima urease (Dixon et al., 1975), que é responsável pela hidrólise da ureia em duas moléculas de amônia e gás carbônico (CO2), desempenhando função direta no metabolismo de N (Witte, 2011; Polacco et al., 2013), por consequência, beneficiando uma ampla gama de processos fisiológicos e também o desenvolvimento das plantas (Gerendas, Sattelmacher, 1997).

Recentemente em condições tropicais de cultivo a campo, estudo de Freitas et al. (2018) constatou haver deficiência oculta (latente) de Ni em uma ampla gama de genótipos de soja. Segundo esses autores, a deficiência de níquel, devido a sua baixa disponibilidade em alguns solos, não permite que o máximo potencial produtivo desses genótipos seja expresso. Essa questão já havia sido levantada por Wood (2013), que sugere que a deficiência de níquel em muitas espécies vegetais não apresenta sintomas visíveis (Figura 1). Esses resultados evidenciam a necessidade da fertilização com esse micronutriente nos cultivos agrícolas.

A supressão da deficiência oculta de níquel com o manejo desse micronutriente nos sistemas de cultivo com plantas leguminosas, tem apresentado relação direta com a eficiência da FBN (González-Guerrero et al., 2014; Lavres et al., 2016; Freitas et al., 2019). Em eubactérias, arqueobactérias e fungos, o níquel é um cofator catalítico essencial em pelo menos mais oito enzimas além da urease (Li, Zamble, 2009), dessas merece destaque a NiFe-hidrogenase, que promove a reação de oxidação do gás hidrogênio (H2) em prótons e elétrons (Bagyinka, 2014; Brazzolotto et al., 2016). No processo de FBN, a nitrogenase ao catalisar amônia de maneira colateral produz H2, esse gás é reoxidando pela NiFe-hidrogenase nos nódulos e gera energia adicional para a nitrogenase, i.e., melhora o processo de FBN (Ruiz-Argüeso et al., 2001; Rees et al., 2005).

Dessa forma, o comprovado efeito benéfico do Ni no crescimento das plantas leguminosas, principalmente no processo de FBN, promoveu uma rede crescente de estudos avaliando o suprimento de níquel em leguminosas (Lavres et al., 2016; Barcelos et al., 2017; Macedo et al., 2016, 2020; Rodak et al., 2018; Freitas et al., 2018, 2019), tendo como atual desafio o desenvolvimento de conhecimento/informações para adequação da recomendação agronômica de Ni em insumos, doses e frequência de aplicação, bem como dos níveis críticos desse micronutriente no sistema solo-planta.

Referências

Bagyinka, C. (2014). How does the ([NiFe]) hydrogenase enzyme work? Int. J. Hydrog. Energy 39, 18521–18532. doi:10.1016/j.ijhydene.2014.07.009.

Barcelos, J. P. Q., Osório, C. R. W. S., Leal, A. J. F., Alves, C. Z., Santos, E. F., Reis, H. P. G., Reis, A. R. (2017). Effects of foliar nickel (Ni) application on mineral nutrition status, urease activity and physiological quality of soybean seeds. Aust. J. Crop Sci. 11, 184–192. doi:10.21475/ajcs.17.11.02.p240.

Brazzolotto, D., Gennari, M., Queyriaux, N., Simmons, T. R., Pécaut, J., Demeshko, S., Meyer, F., Orio, M., Artero, V., Carole Duboc, C. (2016). Nickel-centred proton reduction catalysis in a model of [NiFe] hydrogenase. Nat. Chem. 8, 1054–1060. doi:10.1038/nchem.2575.

Dixon, N. E., Gazzola, C., Blakeley, R. L., Zerner, B. (1975). Jack bean urease (EC 3.5.1.5). Metalloenzyme. Simple biological role for nickel. J. Am. Chem. Soc. 97, 4131–4133. doi:10.1021/ja00847a045.

FAO – Food and Agriculture Organization (2021). FAOSTAT: crops.  Disponível em http://www.fao.org/faostat/en/#data/QC (Acessado 4 Mar. 2021)

Freitas, D. S., Rodak, B. W., Carneiro, M. A. C., Guilherme, L. R. G. (2019). How does Ni fertilization affect a responsive soybean genotype? A dose study. Plant Soil 1, 1–20. doi:10.1007/s11104-019-04146-2.

Freitas, D. S., Rodak, B. W., Reis, A. R., Reis, F. B., Carvalho, T. S., Schulze, J., Carneiro, M. A. C., Guilherme, L. R. G. (2018). Hidden nickel deficiency? Nickel fertilization via soil improves nitrogen metabolism and grain yield in soybean genotypes. Front. Plant Sci. 9:614. doi:10.3389/fpls.2018.00614.

Fustec, J., Lesuffleur, F., Mahieu, S., Cliquet, J. B. (2010). Nitrogen rhizodeposition of legumes. A review. Agron. Sustain. Dev. 30, 57–66. doi:10.1051/agro/2009003.

Garg, N. (2007). Symbiotic nitrogen fixation in legume nodules: process and signaling. A review. Agron. Sustain. Dev. 27, 59–68. doi:10.1051/agro:2006030

Gerendas, J., Sattelmacher, B. (1997). Significance of Ni supply for growth, urease activity and the concentrations of urea, amino acids and mineral nutrients of urea-grown plants. Plant Soil 190, 153–162. doi:10.1023/A:1004260730027

Giller, K. E. (2001). Nitrogen fixation in tropical cropping systems. New York: CABI Pub.

González-Guerrero, M., Matthiadis, A., Sáez, Á., Long, T. A. (2014). Fixating on metals: new insights into the role of metals in nodulation and symbiotic nitrogen fixation. Front. Plant Sci. 5:45. doi:10.3389/fpls.2014.00045.

Graham, P. H., Vance, C. P. (2000). Nitrogen fixation in perspective: an overview of research and extension needs. Field Crops Res. 65, 93–106. doi:10.1016/S0378-4290(99)00080-5.

Herridge, D. F., Peoples, M. B., Boddey, R. M. (2008). Global inputs of biological nitrogen fixation in agricultural systems. Plant Soil 311, 1–18. doi:10.1007/s11104-008-9668-3.

Lavres, J., Franco, G. C., Câmara, G. M. S. (2016). Soybean seed treatment with nickel improves biological nitrogen fixation and urease activity. Front. Environ. Sci. 4:37. doi:10.3389/fenvs.2016.00037.

Li, Y., Zamble, D. B. (2009). Nickel homeostasis and nickel regulation: an overview. Chem. Rev. 109, 4617–4643. doi:10.1021/cr900010n.

Macedo, F. G., Bresolin, J. D., Santos, E. F., Furlan, F., Lopes da Silva, W. T., Polacco, J. C., Lavres, J. (2016). Nickel availability in soil as influenced by liming and its role in soybean nitrogen metabolism. Front. Plant Sci. 7:1358. doi:10.3389/fpls.2016.01358.

Macedo FG. Santos EF. Lavres J. 2020. Agricultural crop influences availability of nickel in the rhizosphere; a study on base cation saturations, Ni dosages and crop succession. Rhizosphere. 13:1–8. doi:10.1016/j.rhisph.2019.100182

Polacco, J. C., Mazzafera, P., Tezotto, T. (2013). Opinion – nickel and urease in plants: still many knowledge gaps. Plant Sci. 199–200, 79–90. doi:10.1016/j.plantsci.2012.10.010.

Rees, D. C., Tezcan, F. A., Haynes, C. A., Walton, M. Y., Andrade, S., Einsle, O., Howard, J. B. (2005). Structural basis of biological nitrogen fixation. Philos. Trans. R. Soc. Math. Phys. Eng. Sci. 363, 971–984. doi:10.1098/rsta.2004.1539.

Rodak, B. W., Freitas, D. S., Lima, G. J. E. O., Reis, A. R., Schulze, J., Guilherme, L. R. G. (2018). Beneficial use of Ni-rich petroleum coke ashes: product characterization and effects on soil properties and plant growth. J. Clean. Prod. doi:10.1016/j.jclepro.2018.07.090.

Ruiz-Argüeso, T., Palacios, J. M., Imperial, J. (2001). Regulation of the hydrogenase system in Rhizobium leguminosarum. Plant Soil 230, 49–57. doi: 10.1023/A:1004578324977

Spiertz, J. H. J. (2010). Nitrogen, sustainable agriculture and food security: a review. Agron. Sustain. Dev. 30, 43–55. doi:10.1051/agro:2008064.

Vitousek, P. M., Menge, D. N. L., Reed, S. C., Cleveland, C. C. (2013). Biological nitrogen fixation: rates, patterns and ecological controls in terrestrial ecosystems. Philos. Trans. R. Soc. B Biol. Sci. 368:20130119. doi:10.1098/rstb.2013.0119.

Witte, C. P. (2011). Urea metabolism in plants. Plant Sci. 180, 431–438. doi:10.1016/j.plantsci.2010.11.010.

Wood, B. W. (2013). Iron-induced nickel deficiency in pecan. HortScience 48, 1145–1153. doi:10.21273/HORTSCI.48.9.1145.

 

Physiotek Letters: Baixe o artigo completo!

Texto escrito por:

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

um + quatro =